domingo, 2 de agosto de 2009

Oficina III - LITERATURA DE CORDEL

GESTAR II - OFICINA III
TEMA: LITERATURA DE CORDEL

1ª Parte:

Iniciamos a oficina com uma dinâmica diferente...

Cada professor leu uma poesia popular da obra “ Intendenu as praca du brasiu”, já divulgada anteriormente no Blog.
Após fazer a apresentação e uma breve descrição do texto visual apresentado no livro, o cursista fazia a leitura do poema correspondente ao texto apresentado.
Destacarei um dos textos lidos:
O texto visual era uma fotografia de um portão de madeira contendo a inscrição: “ Xacra Xavier”

Poema correspondente:

Xavier era um sujeito
Que amava a educação!
Queria era ser poeta,
Mexer com o coração.

Mas pro Xavier a vida
Fácil mesmo nunca foi
Só fez a primeira série
Depois foi cuidar de boi.

Mas naquele ano bendito
Em que na escola andou
Sobre a rima a professora
Um dia lhe ensinou.

A rima, lhe disse ela,
É uma combinação:
A gente combina as letras
Pra mexer com o coração.

E cresceu o Xavier,
Em busca de sua rima.
Trabalhou, sofreu, caiu,
Mas sempre saiu por cima.

Hoje tem até uma chácra
Onde sua rima fez,
Camobinado X com X,
Com enorme lucidez!

Um dia lhe perguntaram
Por que com X tava escrito.
Foi quando ele respondeu
Com esse singelo dito:

“Se eu fosse Chavier,
Chácra eu teria posto
Mas como seu sou Xavier
Foi com X que fiz meu gosto!

Por toda a minha vida,
Uma rima eu procurei.
Da letra a combinação,
Foi só aqui que eu achei.”

Explicamos que os textos lidos eram poemas populares e mostramos que a literatura de cordel tem suas especificidades.

EXPLICAMOS TAMBÉM QUE A ESCOLHA DO TEMA “ LITERATURA DE CORDEL” JUSTIFICAVA-SE PELA PRÓPRIA HISTÓRIA DO PROCESSO DE OCUPAÇÃO E FUNDAÇÃO DO MUNICÍPIO DE GUAJARÁ-MIRIM/RO

Nesse momento, eu, Auxiliadora, fiz um breve relato da minha pesquisa de mestrado, com dissertação intitulada: “ O Conservantismo na Fala de Migrantes Nordestinos Pioneiros em Guajará-Mirim/RO (UNIR/2005)”, explicando que: Guajará-Mirim, é uma cidade “multicultural” composta por descendentes de índios, bolivianos, ribeirinhos do Guaporé, nordestinos e outros, resultando assim numa população tipicamente amazônica.

enfatizei que, diferentemente da maioria dos municípios do Estado de Rondônia, Guajará-Mirim recebeu pouca influência das migrações, principalmente de sulistas, que ocorreram a partir da década de 70, ao longo da BR 364.
Nesse contexto, destaquei que a cultura nordestina é um dos elementos constituidores da identidade da população guajaramirense, pois as migrações nordestinas sempre foram constantes no município. Fiz uma breve retrospectiva histórica afirmando que, inicialmente, as migrações nordestinas foram impulsionadas pelas secas do sertão e, posteriormente, elas foram motivadas pela posse de terras, empregos públicos, comércio... Dessa forma, com o decorrer do tempo, o falar nordestino constituiu-se como uma das variedades fundamentais na formação do português popular brasileiro da comunidade guajaramirense...
Nesse sentido, procuramos mostrar que a literatura de cordel é uma importante possibilidade didático-pedagógica, pois além de valorizar a linguagem, a cultura, a identidade e a subjetividade, ensina, principalmente aos alunos mais jovens, a história do município, possibilitando um trabalho interdisciplinar.
Iniciamos a oficina falando sobre “AS SECAS NO NORDESTE E AS PRIMEIRAS MIGRAÇÕES”. Lemos a citação de Euclides da Cunha, apud Sylvio Rabello[1] (1983, p.292), que afirmava:
" Quando as grandes secas flamejavam sobre os sertões adustos e as cidades do litoral se enchiam em poucas semanas de uma população adventícia de famintos assombrosos, devorados das febres e das bexigas — a preocupação exclusiva dos poderes públicos consistia no libertá-las quanto antes daquelas invasões de bárbaros moribundos, que infestavam o Brasil. Abarrotavam-se, às carreiras, os vapores com aqueles fardos agitantes consignados à morte. Mandavam-nos para a Amazônia - vastíssima, despovoada, quase ignota - o que equivalia expatriá-los dentro da própria pátria. A multidão martirizada, perdidos todos os direitos, rotos os laços de família, que se fracionava no tumulto dos embarques acelerados, partia para aquelas bandas..."

Também lembramos a descrição feita por Eloy de Souza[2], em seu livro O Calvário das Secas (1983, p.24):
"Os bandos de maltrapilhos cobriram de luto a cidade. Nos abarracamentos, a promiscuidade que não separava os sexos nem as idades, também não isolava os doentes dos sãos. Aos gemidos dos adultos se misturava o choro das crianças, queimadas pela febre, o pranto das mães martirizadas pela angústia de não encontrarem no seio murcho uma gota de leite para matar a primeira fome do filho recém-nascido. (...) cerca de vinte e cinco mil retirantes estacionaram aqui aguardando transporte para o sul ou para o norte (...) Muitos morreram nos seringais da Amazônia."

Nesse momento, aproveitei a ocasião para expressar o meu entusiasmo para falar sobre o tema, pois sou filha de migrantes nordestinos pioneiros nesta região e fui alfabetizada a partir das leituras de cordéis, que eram declamadas por meu pai ( um homem "analfabeto", mas com um nível de letramento surpreendente e admirável).

A PREPARAÇÃO DA OFICINA:
Essa oficina foi preparada com muito amor e dedicação. Durante a semana que antecedeu a oficina, Eu, a Marise (minha maravilhosa coordenadora) e a Mônica, uma cursista que trabalha na Representação de Ensino, preparamos todo o material necessário. E, juntamente com o querido Afonsinho (um auxiliar administrativo da Representação de Ensino local), confeccionamos uma singela lembrancinha para todos os cursistas (um cordel sobre gramática).
No dia anterior, eu e minha coordenadora Marise, organizamos a sala onde seria desenvolvida a oficina. Criamos um clima nordestino, com uma ornamentação especial: um mural com motivos nordestinos, um varal com cordéis e diversos cartazes com fragmentos de poesias de cordel e xilogravuras.
Também providenciamos diversas músicas de repentistas nordestinos para mostrar que cordel não é repente.
Abaixo detalhamos as atividades desenvolvidas:
PAUTA:
1-Sensibilização;
2-Literatura de Cordel: conceitos básicos e características;
3-Literatura de Cordel: o trabalho com letras e palavras;
4- Oficina: lendo e escrevendo cordéis;
5- Avaliação.

OBJETIVOS:
- Caracterizar uma das formas de realização do gênero poético: o cordel.
- Incentivar a formação de leitores.

Cordelando, apresentamos o conceito de cordel.
O QUE É O CORDEL?
O cordel não é repente,Mas tem sua maestria,É escrito lentamente,É do povo, é poesia,Fala de tudo um pouco,Expõe o sábio, o louco,O que há ou o que havia.

Posteriormente, informamos que a literatura de CORDEL é uma manifestação da cultura popular tradicional, também chamada de folheto ou romance. No Brasil, nascida no interior do nordeste, espalhou-se por todo o país, pelo processo migratório do sertanejo-nordestino. De conteúdo muito diverso, essa literatura oral abrange inúmeras modalidades. O folheto é a forma tradicional de impressão. As capas, geralmente são feitas em xilogravura.

O QUE SÃO XILOS?

A partir dos cartazes com as xilogravuras, mostramos o que são os Xilos, destacamos que a confecção dos mesmos deve ser feita em pedaços de madeira, pois a placa de isopor é um material muito agressivo ao meio ambiente, de difícil reciclagem.

Explicamos que:

O nome CORDEL teve origem em Portugal, na Idade Média, porque os folhetos ficavam pendurados por cordões ou barbantes, em exposição. O mesmo hábito - e nome- continuou nas feiras do nordeste brasileiro, onde, ao mesmo tempo em que os folhetos são vendidos, os versos são declamados.
Ressaltamos que, atualmente, os cordéis também são vendidos nas livrarias, nos shopping, na internet, enfim...

Apresentamos as principais características da literatura de cordel, afirmando que:

1. Os versos mais populares são as sextilhas (estrofes com seis versos) setessilábicas (com sete sílabas em cada verso).

2. O CORDEL, tradicionalmente, conta uma história. (As histórias costumam narrar as dificuldades e sofrimentos de um herói, que, ao final, triunfa e será recompensado).

3. A história narrada num CORDEL geralmente apresenta uma situação de equilíbrio, desenvolve um conflito e termina restaurando o equilíbrio.

4. O CORDEL remete frequentemente a passagem bíblica ou “fantasia” lutas e conflitos entre o bem e o mal, em que o bem sempre vence.

5. Por manter um vínculo estreito com a oralidade, muitas vezes, o poeta CORDELISTA “chama” o leitor/ouvinte para tomar posição quanto ao tema. E para isso, ele se “apresenta” no texto.

6. Os textos dos CORDÉIS costumam ser longos para abarcar todas as peripécias, aventuras e desventuras do herói.
7. As imagens de capa dos livretos, geralmente xilogravuras artesanais, costumam também ser uma marca característica do CORDEL.

A cada explicação apresentávamos a leitura de uma estrofe de um cordel exposto no varal.
Também ouvimos fragmentos dos melhores desafios, dentre eles: galope a beira mar, mourão em desafio, martelo em desafio, desafio em decassílabo e outros...

Falamos sobre a forma da literatura de cordel e apresentamos exemplificações, destacando que:
A literatura de cordel apresenta características do gênero poético, com rima, métrica e disposição das informações em verso.

Finalmente, oportunizamos aos cursistas a leitura dos cordéis expostos. Os temas eram diversificados:
- HOMENAGEM AO PAI.
- O CANGACEIRO LAMPIÃO.
- HOMENAGEM A PERSONALIDADES.
- VEGETAÇÃO TÍPICA DO NORDESTE.
- SOBRE A GRAMÁTICA.
- SOBRE A LEITURA.
- AS RETIRADAS.
- SOBRE A MISÉRIA.
- AS BELEZAS NATURAIS DO BRASIL.
- O RACISMO.
- PREVENÇÃO ÀS DST.
- OBRA LITERÁRIA: URUPÊS -AUTOR: MONTEIRO LOBATO.
- OBRA LITERÁRIA: MORTE E VIDA SEVERINA - AUTOR: JOÃO CABRAL DE MELO NETO.
- REFORMA ORTOGRÁFICA.

Explicamos que o trabalho com a literatura de cordel é muito interessante e sugerimos o desenvolvimento de algumas atividades:
- Leitura de poemas populares;
- Audição e canto de músicas nordestinas;
- leitura de cordéis sobre temas recentes;
- Estimular o "soltar" a voz...
Os PROFESSORES, em grupos, podem representar uma feira do interior do nordeste. Cada grupo tentará "vender" seu folheto para os colegas, para isso eles terão que utilizar recursos da voz, do corpo e das emoções para conseguir o objetivo.
- Produção de cordéis, em grupos e outras.

Após um breve intervalo e um delicioso lanche, para retomar o tema, lemos, coletivamente, o poema de Manuel Bandeira – Cantadores do Nordeste e cantamos a música: Mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor. ( Zé Ramalho e Otacílio Batista).

Finalizamos a oficina com a apresentação do filme: narradores de JAVÉ.



[1] RABELLO, Sílvio (1983). Euclides da Cunha. 3ªed.- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
[2] SOUZA, Eloy (1983). O calvário das secas. 3ªed. – Rio de Janeiro: cátedra.

Um comentário:

  1. Olá, fiquei maravilhada com o relato de tua oficina, parabéns pelo lindo trabalho! Você me contagia com seu encanto nordestino, kkkk. Um abraço!

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